terça-feira, 24 de janeiro de 2012
ENCÂNTICO- MARINA COLASANTI
Estou de partida . Breve me mudarei para a curva do teu braço.
Busco a terra sem vento, a mansa terra do teu peito. E a batida surda
e quente do magma mais profundo para embalar o meu sono. Busco a
tranqüilidade da enseada.
Já conheci as águas que eu preciso saber. Fui bem além das colunas de Hércules, e há muito descobri que, por mais longe o mar, jamais
despenco.
Desbravei os mares, lancei-me por entre espumas. Naveguei seguindo as estrelas do céu, contando as estrelas do mar, até chegar a portos dos quais nem suspeitava a existência.
Agora é tempo de lançar meus braços’a água, deixando que enlacem nos rochedos ancorando – me ao meu destino.
Escolho o teu lado esquerdo , onde me beija o sol poente. E espero que
tua mão direita amaine minhas velas.
Assim, acima do teu coração, encosto a cabeça.
E pequena como um grão, deito raízes.
Aprenderei a conhecer-te através da planta dos meus pés, como o cego sabe onde pisa, como o índio que conhece a trilha.
Se for mansa a maré das colinas, terei certeza de que dormes, ou
pensas em silêncio.Se de repente meu solo se encrespar tangido por um
vento só seu, será o frio que te toca. O medo, saberei no tremor
subterrâneo. E quando o suor correr farto enchendo rios sem peixes,
ameaçando me levar, será tempo de calor,será o verão cantando na tua pele.
Aprenderei a tatear-te com as mãos, procurar meus caminhos nos vales
dos músculos. Fluirei devagar, dormirei nas axilas.
Não preciso de casa.
Não preciso de abrigo.
A terra de tua carne é quente, e nada me ameaça. Posso deitar-me nua, tranqüila, ou ficar acordada olhando para o alto. O céu é calmo, as nuvens passam indo a outros lugares. Nenhuma traz a chuva ou a tempestade.
Breve me mudo para a curva do teu braço.
Não saberei mais de você do que já sei.
Nem você saberá mais de mim.
Mas talvez assim tão perto , encostada na raiz do teu ser, eu possa me
esquecer de onde começo, e me esquecer em ti na minha entrega….
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