quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
O MOÇO DO SAXOFONE -Lygia Fagundes Telles
Eu era chofer de caminhão e ganhava uma nota alta com um cara que fazia contrabando. Até hoje não entendo direito por que fui parar na pensão da tal madame, uma polaca que quando moça fazia a vida e depois que ficou velha inventou de abrir aquele frege-mosca. Foi o que me contou o James, um tipo que engolia giletes e que foi o meu companheiro de mesa nos dias em que trancei por lá. Tinha os pensionistas e tinha os volantes, uma corja que entrava e saía palitando os dentes, coisa que nunca suportei na minha frente. Teve até uma vez uma dona que mandei andar só porque no nosso primeiro encontro, depois de comer um sanduíche, enfiou um palitão entre os dentes e ficou de boca arreganhada de tal jeito que eu podia ver até o que o palito ia cavucando. Bom, mas eu dizia que no tal frege-mosca eu era volante. A comida, uma bela porcaria e como se não bastasse ter que engolir aquelas lavagens, tinha ainda os malditos anões se enroscando nas pernas da gente. E tinha a música do saxofone.
Não que não gostasse de música, sempre gostei de ouvir tudo quanto é charanga no meu rádio de pilha de noite na estrada, enquanto vou dando conta do recado. Mas aquele saxofone era mesmo de entortar qualquer um. Tocava bem, não discuto. O que me punha doente era o jeito, um jeito assim triste como o diabo, acho que nunca mais vou ouvir ninguém tocar saxofone como aquele cara tocava.
- O que é isso? - eu perguntei ao tipo das giletes. Era o meu primeiro dia de pensão e ainda não sabia de nada. Apontei para o teto que parecia de papelão, tão forte chegava a música até nossa mesa. Quem é que está tocando?
É o moço do saxofone.
Mastiguei mais devagar. Já tinha ouvido antes saxofone, mas aquele da pensão eu não podia mesmo reconhecer nem aqui nem na China.
- E o quarto dele fica aqui em cima?
James meteu uma batata inteira na boca. Sacudiu a cabeça e abriu mais a boca que fumegava como um vulcão com a batata quente lá no fundo. Soprou um bocado de tempo a fumaça antes de responder.
- Aqui em cima.
Bom camarada esse James. Trabalhava numa feira de diversões, mas como já estivesse ficando velho, queria ver se firmava num negócio de bilhetes. Esperei que ele desse cabo da batata, enquanto ia enchendo meu garfo.
- É uma música desgraçada de triste - fui dizendo.
- A mulher engana ele até com o periquito - respondeu James, passando o miolo de pão no fundo do prato para aproveitar o molho. - O pobre fica o dia inteiro trancado, ensaiando. Não desce nem para comer. Enquanto isso, a cabra se deita com tudo quanto é cristão que aparece.
- Deitou com você?
- É meio magricela para o meu gosto, mas é bonita. E novinha. Então entrei com meu jogo, compreende? Mas já vi que não dou sorte com mulher, torcem logo o nariz quando ficam sabendo que engulo gilete, acho que ficam com medo de se cortar...
Tive vontade de rir também, mas justo nesse instante o saxofone começou a tocar de um jeito abafado, sem fôlego como uma boca querendo gritar, mas com uma mão tapando, os sons espremidos saindo por entre os dedos. Então me lembrei da moça que recolhi uma noite no meu caminhão. Saiu para ter o filho na vila, mas não agüentou e caiu ali mesmo na estrada, rolando feito bicho. Arrumei ela na carroceria e corri como um louco para chegar o quanto antes, apavorado com a idéia de o filho nascer no caminho e desandar a uivar que nem a mãe. Pomba, não desejo ao inimigo aquele quarto de hora.
- Parece gente pedindo socorro - eu disse, enchendo meu copo de cerveja. - Será que ele não tem uma música mais alegre?
James encolheu o ombro.
- Chifre dói.
Nesse primeiro dia fiquei sabendo ainda que o moço do saxofone tocava num bar, voltava só de madrugada. Dormia em quarto separado da mulher.
- Mas por quê? - perguntei, bebendo mais depressa para acabar logo e me mandar dali. A verdade é que não tinha nada com isso, nunca fui de me meter na vida de ninguém, mas era melhor ouvir o tro-ló-ló do James do que o saxofone.
- Uma mulher como ela tem que ter seu quarto - explicou James, tirando um palito do paliteiro. - E depois, vai ver que ela reclama do saxofone.
- E os outros não reclamam?
- A gente já se acostumou.
Perguntei onde era o reservado e levantei-me antes que James começasse a escarafunchar os dentões que lhe restavam. Quando subi a escada de caracol, dei com um anão que vinha descendo. Um anão, pensei. Assim que saí do reservado dei com ele no corredor, mas agora estava com uma roupa diferente. Mudou de roupa, pensei meio espantado, porque tinha sido rápido demais. E já descia a escada quando ele passou de novo na minha frente, mas já com outra roupa. Fiquei meio tonto. Mas que raio de anão é esse que muda de roupa de dois em dois minutos? Entendi depois, não era um só, mas uma trempe deles, milhares de anões louros e de cabelo repartidinho do lado.
- Pode me dizer de onde vem tanto anão? - perguntei à madame, e ela riu.
- Todos artistas, minha pensão é quase só de artistas...
Fiquei vendo com que cuidado o copeiro começou a empilhar almofadas nas cadeiras para que eles se sentassem. Comida ruim, anão e saxofone. Anão me enche e já tinha resolvido pagar e sumir quando ela apareceu. Veio por detrás, palavra que havia espaço para passar um batalhão, mas ela deu um jeito de esbarrar em mim.
- Licença?
Não precisei perguntar para saber que aquela era a mulher do moço do saxofone. Nessa altura o saxofone já tinha parado. Fiquei olhando. Era magra, sim, mas tinha as ancas redondas e um andar muito bem bolado. O vestido vermelho não podia ser mais curto. Abancou-se sozinha numa mesa e de olhos baixos começou a descascar o pão com a ponta da unha vermelha. De repente riu e apareceu uma covinha no queixo. Pomba, que tive vontade de ir lá, agarrar ela pelo queixo e saber por que estava rindo. Fiquei rindo junto.
- A que horas é a janta? - perguntei para a madame, enquanto pagava.
- Vai das sete às nove. Meus pensionistas fixos costumam comer às oito avisou ela, dobrando o dinheiro e olhando com um olhar acostumado para a dona de vermelho. - O senhor gostou da comida?
Voltei às oito em ponto. O tal James já mastigava seu bife. Na sala havia ainda um velhote de barbicha, que era professor parece que de mágica e o anão de roupa xadrez. Mas ela não tinha chegado. Animei-me um pouco quando veio um prato de pastéis, tenho loucura por pastéis. James começou a filiar então de uma briga no parque de diversões, mas eu estava de olho na porta. Vi quando ela entrou conversando baixinho com um cara de bigode ruivo. Subiram a escada como dois gatos pisando macio. Não demorou nada e o raio do saxofone desandou a tocar.
- Sim senhor - eu disse, e James pensou que eu estivesse falando na tal briga.
- O pior é que eu estava de porre, mal pude me defender!
Mordi um pastel que tinha dentro mais fumaça do que outra coisa. Examinei os outros pastéis para descobrir se havia algum com mais recheio.
- Toca bem esse condenado. Quer dizer que ele não vem comer nunca?
James demorou para entender do que eu estava falando. Fez uma careta. Decerto preferia o assunto do parque.
- Come no quarto, vai ver que tem vergonha da gente - resmungou ele, tirando um palito. - Fico com pena, mas às vezes me dá raiva, corno besta. Um outro já tinha acabado com a vida dela!
- O café é fresco? - perguntei ao mulatinho que já limpava o oleado da mesa com um pano encardido como a cara dele.
- Feito agora.
Pela cara vi que era mentira.
- Não é preciso, tomo na esquina.
A música parou. Paguei, guardei o troco e olhei reto para a porta, porque tive o pressentimento que ela ia aparecer. E apareceu mesmo com o arzinho de gata de telhado, o cabelo solto nas costas e o vestidinho amarelo mais curto ainda do que o vermelho. O tipo de bigode passou em seguida, abotoando o paletó. Cumprimentou a madame, fez ar de quem tinha muito o que fazer e foi para a rua.
- Sim senhor!
- Sim senhor o quê? - perguntou James.
- Quando ela entra no quarto com um tipo, ele começa a tocar, mas assim que ela aparece, ele pára. Já reparou? Basta ela se enfurnar e ele já começa.
James pediu outra cerveja. Olhou para o teto.
- Mulher é o diabo...
Levantei-me e quando passei junto da mesa dela, atrasei o passo. Então ela deixou cair o guardanapo. Quando me abaixei, agradeceu, de olhos baixos.
- Ora, não precisava se incomodar...
Risquei o fósforo para acender-lhe o cigarro. Senti forte seu perfume.
- Amanhã? - perguntei, oferecendo-lhe os fósforos. - Ás sete, está bem?
- É a porta que fica do lado da escada, à direita de quem sobe.
No dia seguinte cheguei às sete em ponto, chovia potes e eu tinha que viajar a noite inteira. O mulatinho já amontoava nas cadeiras as almofadas para os anões. Subi a escada sem fazer barulho, me preparando para explicar que ia ao reservado, se por acaso aparecesse alguém. Mas ninguém apareceu. Na primeira porta, aquela à direita da escada, bati de leve e fui entrando. Não sei quanto tempo fiquei parado no meio do quarto: ali estava um moço segurando um saxofone. Estava sentado numa cadeira, em mangas de camisa, me olhando sem dizer uma palavra. Não parecia nem espantado nem nada, só me olhava.
- Desculpe, me enganei de quarto - eu disse, com uma voz que até hoje não sei onde fui buscar.
O moço apertou o saxofone contra o peito cavado.
- É na porta adiante - disse ele baixinho, indicando com a cabeça.
Procurei os cigarros só para fazer alguma coisa. Que situação, pomba. Se pudesse, agarrava aquela dona pelo cabelo, a estúpida. Ofereci-lhe cigarro.
- Está servido?
- Obrigado, não posso fumar.
Fui recuando de costas. E de repente não agüentei. Se ele tivesse feito qualquer gesto, dito qualquer coisa, eu ainda me segurava, mas aquela bruta calma me fez perder as tramontanas.
- E você aceita tudo isso assim quieto? Não reage? Por que não lhe dá uma boa sova, não lhe chuta com mala e tudo no meio da rua? Se fosse comigo, pomba, eu já tinha rachado ela pelo meio! Me desculpe estar me metendo, mas quer dizer que você não faz nada?
- Eu toco saxofone.
Fiquei olhando primeiro para a cara dele, que parecia feita de gesso de tão branca. Depois olhei para o saxofone. Ele corria os dedos compridos pelos botões, de baixo para cima, de cima para baixo, bem devagar, esperando que eu saísse para começar a tocar. Limpou com um lenço o bocal do instrumento, antes de começar com os malditos uivos.
Bati a porta. Então a porta do lado se abriu bem de mansinho, cheguei a ver a mão dela segurando a maçaneta para que o vento não abrisse demais. Fiquei ainda um instante parado, sem saber mesmo o que fazer, juro que não tomei logo a decisão, ela esperando e eu parado feito besta, então, Cristo-Rei!? E então? Foi quando começou bem devagarinho a música do saxofone. Fiquei broxa na hora, pomba. Desci a escada aos pulos. Na rua, tropecei num dos anões metido num impermeável, desviei de outro, que já vinha vindo atrás e me enfurnei no caminhão. Escuridão e chuva. Quando dei a partida, o saxofone já subia num agudo que não chegava nunca ao fim. Minha vontade de fugir era tamanha que o caminhão saiu meio desembestado, num arranco...
(“Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”)
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
UMA VELA PARA DARIO - Dalton Trevisan
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.
A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.
O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo - os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.
A última boca repetiu - Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto, e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.
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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
O arquivo Victor Giudice
O arquivo
Victor Giudice
No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.
joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
João transformou-se num arquivo de metal.
Texto publicado originalmente no livro "O Necrológio", Edições O Cruzeiro — Rio de Janeiro, 1972, foi incluído por Ítalo Moricone em sua seleção dos "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 382.
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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
domingo, 8 de janeiro de 2012
Uma oração- Jorge Luis Borges
Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.
Texto extraído do livro "Elogio da Sombra", Editora Globo - Porto Alegre, 2001, pág. 75 (tradução: Carlos Nejar e Alfredo Jacques; revisão da tradução: Maria Carolina de Araújo e Jorge Schwartz).
sábado, 7 de janeiro de 2012
FAMIGERADO-GUIMARÃES ROSA
Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.
Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.
Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.
Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:
"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."
Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.
— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."
Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:
— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."
Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.
O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:
— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?
Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?
— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."
Se sério, se era. Transiu-se-me.
— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"
Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:
— Famigerado?
— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:
— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."
Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.
— Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...
— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"
— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...
— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"
— Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...
— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"
Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:
— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...
— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.
Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.
Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 13
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Uma fotógrafa do tempo antigo

Antoine Florence
A fotografia no Brasil
Século XIX
Um dos pioneiros da Fotografia no Brasil foi o pintor e naturalista francês radicado no Brasil, Antoine Hercules Romuald Florence. Florence, que chegou ao Brasil em 1824, estabeleceu-se em Campinas, onde realizou uma série de invenções e experimentos. No ano de 1833 Florence fotografou através da câmera escura com uma chapa de vidro e usou papel sensibilizado para a impressão por contato. Ainda que totalmente isolado e sem conhecimento do que realizavam seus contemporâneos europeus, Niépce e Daguerre, obteve o resultado fotográfico, que chamou pela primeira vez de Photografie Pela descoberta de Florence. Por esse motivo, o Brasil é considerado um dos pioneiros na Fotografia.

Dom Pedro II
Sobre o início da fotografia no Brasil não se pode esquecer do Imperador Dom Pedro II, que foi um fotógrafo apaixonado. O abade Louis Compte em 16 de janeiro de 1840 quando aportou no Rio de Janeiro fez uma demonstração a Dom Pedro II da daguerrotipia (fonte: Jornal do Commercio, de 17 de janeiro de 1840, Rio de Janeiro). D. Pedro II, possivelmente tenha se tornado o primeiro fotógrafo com menos de 15 anos do Brasil, quando no mesmo ano de 1840 adquiriu um daguerreótipo, em Paris.
Augustus Morand , fotógrafo norte-americano (1815-1862), fez as primeiras fotos da família imperial do Brasil, isso ainda em 1840.
Novas tecnologias chegam ao Brasil, trazidas por imigrantes radicados no Brasil, por exemplo o colódio úmido. Estúdios de retratistas se espalham pelas principais cidades brasileiras. O alemão Alberto Henschel abre escritórios em São Paulo, Recife, Salvador e no Rio e tornando-se no primeiro grande empresário da fotografia brasileira. Neste período também se destacam Walter Hunnewell, que faz a primeira documentação fotográfica da Amazônia, Marc Ferrez, que produz imagens panorâmicas de paisagens brasileiras, e Militão Azevedo, o primeiro a retratar sistematicamente a transformação urbana da cidade de São Paulo. E ainda Victor Frond, George Leuzinger, August Stahl e Felipe Fidanza.
Século XX
Na década de 40 dá-se o ápice do Fotoclubismo, movimento que reunia pessoas interessadas na prática da fotografia como uma forma de expressão artística. Os primeiros fotoclubes surgem no início do século XX, mas somente a partir dos anos 30 passam a ser decisivos na formação e no aperfeiçoamento técnico dos fotógrafos brasileiros. Principais fotoclubes: Photo Club Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1923, e o Foto Cine Clube Bandeirante, criado em São Paulo em 1939. Principais fotógrafos expoentes do fotoclubismo e alguns deles representantes do Movimento Moderno na fotografia: Thomas Farkas, José Oiticica Filho, Eduardo Salvatore, Chico Albuquerque, José Yalenti, Gregori Warchavchik (também arquiteto), Hermínia de Mello Nogueira Borges, Nogueira Borges, Geraldo de Barros e Gaspar Gasparian.
Fonte: Wikipedia
Comentando
A história da fotografia no Brasil é recente. No inicio, os fotógrafos profissionais eram ambulantes, ou seja, viajavam por uma determinada região para atender os fregueses. Um exemplo de tais profissionais foi Adoracy Sanchotene que tinha um pai fotógrafo. Ele veio da Espanha para o Brasil aos 12 anos, junto com seu pai. Fixou residência em Uruguaiana (RGS)e as suas filhas aprenderam o ofício do pai. Mais tarde, Adoracy montou seu estúdio e ficou famosa em seu tempo pela qualidade de suas fotos. A seguir,algumas fotos feitas por ela.
Fotos de Adoracy Sanchotene




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sábado, 31 de dezembro de 2011
RECEITA DE ANO NOVO
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
A CASA DE CADA UM
"A CASA DE CADA UM
(texto de Walcyr Carrasco)
Nesta época, gosto de tratar da vida. Dou a roupa que não uso mais. Livros que não pretendo reler. Envio caixas para bibliotecas. Ou abandono um volume em um shopping ou café, com uma mensagem: "Leia e passe para frente!".
Tento avaliar meus atos através de uma perspectiva maior.
Penso na história dos Três Porquinhos. Cada um construiu sua casa. Duas, o Lobo derrubou facilmente. Mas a terceira resistiu porque era sólida. Em minha opinião, contos infantis possuem grande sabedoria, além da história propriamente dita. Gosto desse especialmente.
Imagino que a vida de cada um seja semelhante a uma casa. Frágil ou sólida, depende de como é construída. Muita gente se aproxima de mim e diz: Eu tenho um sonho, quero torná-lo realidade! Estremeço.
Freqüentemente, o sonho é bonito, tanto como uma casa bem pintada. Mas sem alicerces. As paredes racham, a casa cai repentinamente, e a pessoa fica só com entulho. Lamenta-se.
Na minha área profissional, isso é muito comum.
Diariamente sou procurado por alguém que sonha em ser ator ou atriz sem nunca ter estudado ou feito teatro. Como é possível jogar todas as fichas em uma profissão que nem se conhece?
Há quem largue tudo por uma paixão. Um amigo abandonou mulher e filho recém-nascido. A nova paixão durou até a noite na qual, no apartamento do 10º andar, a moça afirmou que podia voar. Deixa de brincadeira, ele respondeu.
Eu sei voar, sim, rebateu ela.
Abriu os braços, pronta para saltar da janela. Ele a segurou. Gritou por socorro. Quase despencaram. Foi viver sozinho com um gato, lembrando-se dos bons tempos da vida doméstica, do filho, da harmonia perdida!
26.12.11 14:30
Algumas pessoas se preocupam só com os alicerces. Dedicam-se à vida material. Quando venta, não têm paredes para se proteger. Outras não colocam portas. Qualquer um entra na vida delas.
Tenho um amigo que não sabe dizer não (a palavra não é tão mágica quanto uma porta blindada). Empresta seu dinheiro e nunca recebe. Namora mulheres problemáticas. Vive cercado de pessoas que sugam suas energias como autênticos vampiros emocionais. Outro dia lhe perguntei: Por que deixa tanta gente ruim se aproximar de você?
Garante que no próximo ano será diferente. Nada mudará enquanto não consertar a casa de sua vida.
São comuns as pessoas que não pensam no telhado. Vivem como se os dias de tempestade jamais chegassem. Quando chove, a casa delas se alaga.
Ao contrário das que só cuidam dos alicerces, não se preocupam com o dia de amanhã.
Certa vez uma amiga conseguiu vender um terreno valioso recebido em herança. Comentei:
Agora você pode comprar um apartamento para morar.
Preferiu alugar uma mansão. Mobiliou. Durante meses morou como uma rainha. Quase um ano depois, já não tinha dinheiro para botar um bife na mesa!
Aproveito as festas de fim de ano para examinar a casa que construí. Alguma parede rachou porque tomei uma atitude contra meus princípios?
Deixei alguma telha quebrada?
Há um assunto pendente me incomodando como uma goteira?
Minha porta tem uma chave para ser bem fechada quando preciso, mas também para ser aberta quando vierem as pessoas que amo?
É um bom momento para decidir o que consertar. Para mudar alguma coisa e tornar a casa mais agradável.
Sou envolvido por um sentimento muito especial.
Ao longo dos anos, cada pessoa constrói sua casa.
O bom é que sempre se pode reformar, arrumar, decorar!
E na eterna oportunidade de recomeçar reside a grande beleza de ser o arquiteto da própria vida.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
TORTURA E GLÓRIA- Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos. Veio a ter um busto
enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os
bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança
devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de algum livrinho,
ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima com paisagem
de Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes. Atrás escrevia com letra bordadíssima
palavras como data natalícia e saudade.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com
barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas,
esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na
minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a
implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa.
Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o,
dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua
casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria
esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave. No dia seguinte fui à
sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa.
Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o
livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí
devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar
pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí:
guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes eram a minha vida inteira,
o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Bom, mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era
tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o
coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu
voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do dia
seguinte ia se repetir com o coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto
o fel não escorresse de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera
para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem
quer me fazer sofrer está precisando que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia:
pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você não veio, de modo que o emprestei a
outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se formando sob os meus
olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a
sua recusa, apareceu sua mãe. Esta devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela
menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o
fato de não entender. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme
surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior
para ela não era essa descoberta. Devia ser a descoberta da filha que tinha. Com certo horror
nos espiava: a potência de perversidade de sua filha desconhecida, e a menina em pé à porta,
exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, se refazendo, disse firme e calma para
a filha: você vai emprestar agora mesmo As reinações de Narizinho. E para mim disse tudo o
que eu jamais poderia aspirar ouvir. “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.”
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse é tudo o que uma
pessoa, pequena ou grande, pode querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho
que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando
bem devagar. Sei que segurava o livro com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente,
meu coração estarrecido, pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto
de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei
mais comendo pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abriao
por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina
que era a felicidade. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era
uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em
êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
O p e q u e n o l i v r o d a s g r a n d e s e m o ç ões.
domingo, 18 de dezembro de 2011
LIVROS QUE NÃO SE PODE DEIXAR DE LER
1 - Crime e Castigo,de Dostoiévski
O romance que marca dez entre dez adolescentes.Publicado em 1866, conta a história de Raskolnikof,um sujeito atormentado que decide matar uma mulher, é surpreendido pelo acaso,tem de cometer outro crime e passa a viver torturado pela culpa.Todos os conflitos do ser humano estão sintetizados nos pensamentos dessa figura que se espreita sinistramente por São Petersburgo.Qual o limite da racionalização de um indivíduo?Até onde sua justificativa conceitual pode permitir um comportamento socialmente condenado?Depois deste livro,você nunca mais vai ter uma resposta definitiva para essas dúvidas. |
2 - Dom Quixote,de Miguel de Cervantes O pai de todos os romances.Dom Quixote leu demais as histórias heróicas de cavaleiros que enfrentavam tudo e todos em nome de uma paixão transcendental e decide se tornar um deles.Apanha no livro inteiro.Sempre acompanhado de seu leal e quase sádico Sancho Pança,enfrenta moinhos imaginários em uma Europa que já não existe. Publicado em duas partes,em 1605 e 1615,o livro estabeleceu um padrão de narrativa distanciada,não raro irônica,que todos os grandes romances seguiriam depois.Mas,deturpado de seu sentido original,ainda é visto como uma história de triunfo ou antitriunfo.Não:é uma conversa que está dentro de cada um de nós. |
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
ÉTICA E EDUCAÇÃO
Pedro Goergen, ao analisar as relações entre pós-modernidade, ética e educação, comenta a atual organização da sociedade adaptada às exigências de mercado, em que a escola oferece um produto em que se perde o rosto humano da educação. Este cenário é um cenário de crise, pois como a educação ainda está alicerçada em bases do pensamento moderno(grandes narrativas, centralidade do sujeito, história em permanente progresso) e o pensamento pós-moderno chama a atenção para um mundo em permanente mutação, a realidade deve ser assumida pela prática pedagógica.
O autor acrescenta (2001, p.77) “Um dos temas fulcrais deste embate entre modernidade e pós-modernidade é o da ética. A passagem da fixidez, do caráter totalizante e universal, premissas de épocas anteriores, para o fluir e a mudança, própria da época contemporânea, desestrutura os fundamentos do certo e do errado e desautoriza os julgamentos a respeito do correto agir.”
Desta forma, a sociedade e a escola como parte desta devem ser capazes de, por meio da ação comunicativa (Habermas), substituir os princípios da disciplina e da autoridade pelos da democracia e da solidariedade, pois, de acordo com Freitag, citada por Goergen (2001, p.81), a reorganização da escola é uma questão administrativa.
Assim, a formação do sujeito ético acontece no meio em que vive e cresce e este meio, seguramente, não é só o da escola. Escola e sociedade devem estar extremamente conectadas para uma formação ética de seus alunos no sentido de congregar e solidarizar.
Sanchotene et alli ( 2005)
sábado, 10 de dezembro de 2011
Filmes que todos deveriam ver
Para ver a lista completa, clique aqui. 12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men - 1957)
Diretor: Sidney Lumet
Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, E. G. Marshall
8 ½ (8 ½ - 1963)
Diretor: Federico Fellini
Elenco: Marcello Mastroianni, Anouk Aimee
Apocalypse Now (Apocalypse Now - 1979)
Diretor: Francis Ford Coppola
Elenco: Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall
RolloverWhy You Should See It
A Mavalda (All About Eve - 1950)
Diretor: Joseph L. Mankiewicz
Elenco: Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders
Ladrões de Bicicleta (Ladri Di Biciclette - 1948)
Diretor: Vittorio De Sica
Elenco: Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola
Blade Runner - O Caçador de Andróides (Blade Runner - 1982)
Diretor: Ridley Scott
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young
Casablanca (Casablanca - 1942)
Diretor: Michael Curtiz
Elenco: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid
Cidadão Kane (Citizen Kane - 1941)
Diretor: Orson Welles
Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore
Faça a Coisa Certa (Do the Right Thing - 1989)
Diretor: Spike Lee
Elenco: Danny Aiello, Ossie Davis, Ruby Dee
E.T - O Extraterrestre (E.T. the Extra-Terrestrial - 1982)
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Dee Wallace Stone, Henry Thomas, Drew Barrymore
O Exorcista (The Exorcist - 1973)
Diretor: William Friedkin
Elenco: Ellen Burstyn, Max von Sydow, Linda Blair
O Poderoso Chefão (The Godfather - 1972)
Diretor: Francis Ford Coppola
Elenco: Marlon Brando, Al Pacino, James Caan
007 Contra Goldfinger (Goldfinger - 1964)
Diretor: Guy Hamilton
Elenco: Sean Connery, Honor Blackman
A Primeira Noite de um Homem (The Graduate - 1967)
Diretor: Mike Nichols
Elenco: Anne Bancroft, Dustin Hoffman, Katharine Ross
Os Reis do Iê Iê Iê (A Hard Day's Night - 1964)
Diretor: Richard Lester
Elenco: The Beatles
Tubarão (Jaws - 1975)
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss
Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia - 1962)
Diretor: David Lean
Elenco: Peter O'Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn
Matrix (The Matrix - 1999)
Diretor: Larry Wachowski, Andy Wachowski
Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss
Tempos Modernos (Modern Times - 1936)
Diretor: Charlie Chaplin
Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard
Monty Python e o Cálice Sagrado (Monty Python and the Holy Grail - 1975)
Diretor: Terry Gilliam, Terry Jones
Elenco: Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin
Nosferatu (Nosferatu - 1922)
Diretor: F.W. Murnau
Elenco: Max Schreck, Gustave Von Wagenheim, Greta Schroeder
Glória Feita de Sangue (Paths of Glory - 1958)
Diretor: Stanley Kubrick
Elenco: Kirk Douglas, Ralph Meeker, Adolphe Menjou
Psicose (Psycho - 1960)
Diretor: Alfred Hitchcock
Elenco: Anthony Perkins, Janet Leigh
Pulp Fiction - Tempo de Violência (Pulp Fiction - 1994)
Diretor: Quentin Tarantino
Elenco: John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman
Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark - 1981)
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Harrison Ford, Karen Allen, Paul Freeman
A Lista de Schindler (Schindler's List - 1993)
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes
O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs - 1991)
Diretor: Jonathan Demme
Elenco: Jodie Foster, Anthony Hopkins, Scott Glenn
Cantando na Chuva (Singin' in the Rain - 1952)
Diretor: Stanley Donen, Gene Kelley
Elenco: Gene Kelly, Donald O'Connor, Debbie Reynolds
Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot - 1959)
Diretor: Billy Wilder
Elenco: Marilyn Monroe, Tony Curtis, Jack Lemmon
Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança (Star Wars - 1977)
Diretor: George Lucas
Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher
Um Corpo Que Cai (Vertigo - 1958)
Diretor: Alfred Hitchcock
Elenco: James Stewart, Kim Novak
Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin / Les Ailes du Désir, Alemanha/ França -1987)
Diretor: Wim Wenders
Elenco: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander
O Mágico de Oz (The Wizard of Oz - 1939)
Diretor: Victor Fleming
Elenco: Judy Garland, Frank Morgan, Ray Bolger
Mulheres À Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres Al Borde de um Ataque de Nervios - 1988)
Diretor: Pedro Almodovar
Elenco: Carmen Maura, Antonio Banderas
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
LEMIINSKI- CATATAU
“Do tamanho de um pinto nascido recentemente, tinha cabeça de ganso um pouco mais pontuda, na parte superior, o bico largo como o do ganso, mas a extremidade da parte superior inclinada para baixo; os olhos eram pequenos, o pescoço, curto. As asas eram pequenas, sitas perto das primeiras penas (estas eram em número de quatro). Não tinha peito; em lugar dele, acharam-se duas pernas das quais a parte superior media três quartos de dedo e a inferior um quarto; cada uma das pernas tinha quatro dedos semelhantes aos da galinha. As duas pernas posteriores, do mesmo tamanho e figura que as anteriores, estavam colocadas de um modo curioso, isto é, a esquerda era natural mas a direita, na sua origem a esquerda, era uma proeminência da esquerda como que voltada para cima, como se houvesse duas pernas esquerdas e uma direita emendada na esquerda, no lugar de sua origem. Não havia, por isso, o uropígio, porquanto não havia intervalo entre essas pernas posteriores; em lugar da cauda, estavam anexos à perna esquerda uns pêlos um tanto longos de cor branca. Os pés eram semelhantes aos da galinha e os dedos dispostos do mesmo modo; cada um, porém, era disposto em ordem inversa, de sorte que a parte inferior se achava na superior e vice-versa; as unhas também eram voltadas para cima. A cabeça, pescoço, ventre, asas, dorso e parte superior das pernas não eram cobertos de penas mas de pêlos pretos de meio dedo de comprimento, um pouco claros debaixo do ventre e garganta; em resumo, um pinto totalmente monstruoso. A parte inferior das pernas e os pés eram de cor fusca e bem assim o bico; as vísceras eram como as da galinha, porém dispostas desordenadamente; o coração era grande, vivia quando nasceu.”
(Marcgravf, História Naturalis; História das Aves, Lib. V, Cap. XV)
LEMINSKI-CATATAU
domingo, 27 de novembro de 2011
Livro influente
Texto extraído da revista Veja
Medo e Delírio em Las Vegas, de Hunter S. ThompsonUm dos responsáveis pela popularização do gênero jornalismo gonzo, Hunter S. Thompson está na lista de autores considerados ícones da literatura jovem. Sempre associado à tríade sexo, drogas e rock’n'roll, o jornalista transformou suas experiências em relatos que marcaram o fim da era hippie e registraram os constantes conflitos entre os conservadores e libertários nos EUA. Em Medo e Delírio em Las Vegas, um repórter e seu advogado cruzam o deserto de Nevada a bordo de um carro conversível, totalmente entorpecidos por substâncias ilícitas. O objetivo do jornalista é cobrir uma corrida de motocicletas em Las Vegas. A obra ganhou uma adaptação para o cinema de nome homônimo, lançada em 1998. No longa, Raoul Duke, o repórter, é interpretado por Johnny Depp, enquanto Benicio Del Toro vive o Dr. Gonzo, o enigmático advogado.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
DO DESEJO
Do Desejo
de Hilda Hilst
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
(Do Desejo - 1992)
* * *
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
( Do Desejo - 1992)
* * *
Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível
E o que eu desejo é luz e imaterial.
Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
(Da Noite - 1992)
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Conto de Andersen
Fazia um frio terrível. Nevava, e a noite aproximava-se rapidamente. Era o último dia de Dezembro, véspera de Ano Novo.
Apesar do frio intenso e da escuridão, andava pelas ruas uma menina descalça e com a cabeça descoberta.
Ao sair de casa ainda trazia umas chinelas, mas que não lhe serviram de muito. Eram enormes, tão grandes que decerto pertenciam à mãe e a pobre menina tinha-as perdido ao atravessar a rua correndo, para fugir de duas carruagens que rolavam velozmente. Estava agora descalça e tinha os pés roxos de frio. Dentro de um velho avental tinha muitos fósforos e segurava um punhado deles.
Ninguém lhe comprara fósforos durante o dia e nem sequer lhe tinham dado uma esmola. Morta de frio e de fome, arrastava-se pelas ruas. A pobre criança era a imagem da miséria. Caíam-lhe flocos de neve sobre os cabelos louros muito compridos.
As janelas das casas estavam todas iluminadas. Pelas ruas, espalhava-se o cheiro reconfortante de gansos assados, pois era véspera de Ano Novo.
A menina acocorou-se no ângulo formado pelos muros de duas casas. Encolhera as pernas e sentara-se em cima delas, mas continuava a ter frio. Não ousava voltar para casa porque não vendera nem um fósforo e não tinha sequer uma moeda para entregar ao pai. Temia que este lhe desse uma sova. Além disso, em casa fazia quase tanto frio como na rua, porque tinham apenas o telhado para os cobrir. Apesar de terem tapado com palha e trapos todas as frestas, o vento gelado penetrava incessantemente.
Pôs-se a acender todos os fósforos que restavam na caixa, para conservar junto de si a imagem da avozinha. Os fósforos davam uma chama tão clara que parecia dia. Nunca a avó fora tão bela e tão grande como naquela noite.
A bondosa senhora pegou na criança entre os braços e ambas se elevaram no espaço, envolvidas por uma luz extraordinária. Subiram alto, muito alto, até onde deixa de existir o frio, a fome e o medo.
E, quando chegou a madrugada, encontraram a criança estendida no chão, com as faces rosadas e um sorriso nos lábios. Estava morta. Tinha morrido de frio, na última noite daquele ano.
O Sol do dia do Ano Novo ergueu-se sobre o corpo frágil e abandonado na neve. O avental da criança continha ainda alguns fósforos, mas perto do corpo encontrava-se um pacote de caixas vazias. No entanto, ninguém podia supor as esplêndidas coisas que a menina tinha visto, nem sequer a emoção que sentira ao ser levada pela bondosa avozinha, no dia em que o novo ano principiava.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
AULA DE INGLÊS
Aula de Inglês
Rubem Braga
— Is this an elephant?
Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava.
Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.
Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente:
— No, it's not!
Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:
— Is it a book?
Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos:
— No, it's not!
Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.
— Is it a handkerchief?
Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido:
— No, it's not!
Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.
Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva.
— Is it an ash-tray?
Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray. Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.
As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:
— Yes!
O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada:
— Very well! Very well!
Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha e muito orgulho.
Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja,alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:
-- It's not an ash-tray!
E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.
Maio, 1945
A crônica acima foi extraída do livro "Um pé de milho", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 33.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
HAIKAI
um flash back
um flash back dentro de um flash back
um flash back dentro de um flash back de
um flash back
um flash back dentro do terceiro flash back
a memória cai dentro da memória
pedraflor na água lisa
tudo cansa (flash back)
menos a lembrança da lembrança da lembrança
da lembrança leminski
um flash back dentro de um flash back
um flash back dentro de um flash back de
um flash back
um flash back dentro do terceiro flash back
a memória cai dentro da memória
pedraflor na água lisa
tudo cansa (flash back)
menos a lembrança da lembrança da lembrança
da lembrança leminski
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
BIBLIOTECAS- UM POUCO DA HISTÓRIA
Já
no início do século XX, a biblioteca passa a ter um caráter de servir ao
leitor, mais tarde, também de documentar e, nos anos 60, torna-se mediateca de
informação, porém, com público cada vez menor.
Nóbrega
(2002), em artigo sobre livros e bibliotecas, relata que a história destes
mostra que sempre houve uma preocupação do homem com a preservação de seus
conhecimentos, os quais formaram coleções e, conseqüentemente, a necessidade de
organizá-los, além de evidenciar a função de liberação da memória. Porém, neste
mundo de acervos surge a necessidade de seleção: o que deve ser incorporado e o
que deve ser descartado?
A
palavra biblioteca, do grego, biblion
= livro e théke = caixa, armário,
revela o sentido a ela atribuído: um cofre de tesouros. Infelizmente, tais
tesouros são inacessíveis a grande parte da humanidade e a biblioteca é
considerada um templo, local de ritos e segredos ao lado da ordem, técnica e
preservação. Esta visão está impregnada no imaginário social e perdura até
nossos dias.
Não
se tem notícia da primeira biblioteca, mas, na Antiguidade, já havia a noção
destas, as mais conhecidas são as do Egito. Os acervos antigos foram gravados
em blocos de pedras pelos escribas, ditados pelos sábios. A seguir, vieram
tabletes de barro, tabletes de madeira coberta com cera, tabletes gravados a
fogo e, por fim, o rolo feito de couro de animal nos quais os escribas, depois
os monges copiavam e escreviam. O fato que permitiu grandemente o
desenvolvimento da escrita foi a criação da massa de papiro pelos egípcios pela
facilidade e economia do material. Mesmo com a invenção do papel pelos chineses
e tendo sido este trazido à Europa por Marco Pólo, os europeus, por não
acreditar no material, demoraram cento e cinqüenta anos para atingir a era de
Gutenberg.
É
importante citar que os suportes de escrita utilizados como, por exemplo,
placas de marfim, letras e desenhos gravados a ouro, incrustações com jóias,
papiro e, mesmo, o papel, tornavam-nos frágeis demais, necessitando estes de
vigilância contínua.
A
biblioteca da Alexandria continha 700.000 rolos de papiro e neles trabalhavam
filósofos, matemáticos, pesquisadores em geral, vertendo para o grego o
conhecimento de várias culturas e, tornando-se um centro de influência na
cultura da época. Assim, a biblioteca deixa de ser um simples depósito de
livros religiosos e dos inventários dos reis.
No
decorrer do tempo e com a multiplicação dos livros, além da transformação da
ciência, literatura e artes e, principalmente, com a diminuição do
analfabetismo e o surgimento das universidades a biblioteca passa a ser laica,
com caráter leigo e civil. Passa a ter o objetivo de ser um centro de
divulgação de conhecimentos, incorporando novas práticas como a de empréstimos
de livros.
Foi
a invenção dos tipos móveis por Gutenberg a responsável por uma grande
modificação nos suportes de leitura, que ensejou uma democratização do
conhecimento por meio do livro impresso. Porém, desde a invenção da imprensa
até o século XIX, o livro era visto como um objeto natural, não existindo
questionamentos sobre suas especificidades. Já a partir do século XIX, surgem
reflexões sobre o livro e a noção de que ele pode provocar no leitor
experiências únicas e, também, complexas. Em relação à biblioteca o interesse
era de oferecer oportunidades a diferentes públicos, porém sem resolver a
questão de conservação e uso dos estoques, culminando com uma visão de função
educadora, embora as reflexões teóricas atuais pensem nela como espaço social
de discussão e criação.
Nos
anos de 1980 e no início dos anos de 1990 houve, no Brasil, críticas feitas por
muitos educadores sobre o tecnicismo presente na educação e também na
biblioteconomia. Foi esse debate que revelou o caráter político e social das
práticas escolares e das bibliotecas, mostrando o sucateamento das escolas e de
suas bibliotecas quando estas existiam, e promovendo propostas de mudança.
Assim, disto resultou o entendimento de que o trabalho do bibliotecário é de
cunho político, pois não pode ser desvinculado de objetivos sociais e valores
humanos, abalando as bases tecnoburocráticas da biblioteconomia, definindo as
práticas do bibliotecário como conscientizadoras, transformadoras e criadoras.
Dessa forma, os bibliotecários, antes meros executores de decisões
tecnoburocráticas, passaram a dar mais ênfase à dimensão educativa de suas
práticas como, por exemplo, elaborar programas para o desenvolvimento do gosto
pela leitura.
O
tecnicismo presente, ainda hoje, em muitas bibliotecas, deriva-se da
tecnoburocracia, um prolongamento do estado autoritário que impõe certos
valores e crenças como a valorização do método de trabalho em detrimento das
condições e finalidades do trabalho, enfatizando o planejamento e o controle e
a fiscalização por meio de normas rígidas e procedimento padronizado. O que se
espera de um bibliotecário atualmente é que ele conheça o conteúdo dos livros
que têm como também ser um guia intelectual do leitor. O bibliotecário será,
então, um bom leitor, possuirá um repertório amplo de leituras, uma das
condições necessárias para fazer a mediação entre escritores e leitores. A
biblioteca é responsável pela democratização de seus espaços e popularização de
seus acervos.
O
surgimento de novas tecnologias de informação e de suportes de leitura
modificaram as formas tradicionais de leitura e escrita, colocando em pauta
toda a relação da escrita com o espaço social que é praticada até nossos dias,
demandando um reconhecimento destes novos objetos, as modificações ocorridas
como conseqüência de seu estabelecimento e, também, as relações da escola com
tais objetos.
Conforme
Silva (2003):
Numa democracia com
justiça social, espera-se que todos indivíduos sejam devidamente preparados para
a compreensão e o manejo de todas as linguagens que servem para dinamizar ou
fazer circular a cultura.O problema é que num país tão desigual como o Brasil,
aqueles oceanos informacionais da Internet vão sofrendo restrições cada vez
maiores em termos de presença e de utilização concreta na vida das pessoas. (Silva,
2003, p.14)
O
autor preconiza discussões sobre as leituras disponíveis na Internet voltadas
para um projeto de cidadania, isto é, a formação de sujeitos sociais que tenham
condições de satisfazer suas necessidades de informação, participando dos
destinos da sociedade.
A
circulação e produção virtuais desafiam os educadores das novas gerações, pois
embora os textos desse suporte sejam escritos, o são numa tela de computador,
adquirindo assim configurações únicas e várias ações de interatividade
diferentes do texto impresso. Dessa forma, os textos virtuais são lidos na
forma horizontal e o leitor precisa ser seletivo frente às muitas opções da
Internet, caso contrário pode se perder nos labirintos da informação. A
introdução da escrita virtual na sociedade tem ocorrido de forma tão veloz que
a maioria dos professores ficou surpresa com o potencial traduzido pelo uso do
computador e as reações tem sido ou de recusa no uso dessa tecnologia, ou de confusão
frente às inúmeras possibilidades de utilização da máquina.
Silva
(2003) comenta:
... ainda que os
suportes impressos e digitais dos textos sofram alterações profundas em termos
de configuração, nenhum deles chegará a desaparecer, mesmo porque cada qual
dinamiza práticas culturais específicas surgidas de necessidades diferenciadas
nas sociedades do mundo contemporâneo. (Silva, 2003, p.15)
Há,
portanto, necessidade de se estudar as especificidades da leitura e da escrita
virtuais assim como a velocidade na circulação dos textos ao redor do mundo,
superando até barreiras lingüísticas e, além disso, o analfabetismo digital,
plágios de textos, entre outros. Como a Internet surgiu com possibilidade de
subversão dos aparatos do poder, a comunicação é horizontal, livre e democrática.Silva
(2003) conclui:
... talvez resida nisso
a possibilidade maior de instauração de um certo tipo de cultura entre os
homens que, pelas práticas de leitura – aqui tomada como uma atividade
estruturante do pensamento – poderão , de agora em diante, viver mais
intensamente a criatividade e a liberdade.
( Silva, 2003, p. 16)
Segundo
artigo da revista Veja (2006), foi lançado um produto que objetiva atrair
crianças e jovens para a leitura: uma espécie de iPOD dos livros. O aparelho
chamado de Reader pode armazenar em sua memória centenas de livros, apresentando-os
numa tela página por página. Um aspecto importante do aparelho é o de que pode
ampliar partes do texto em até 200%. As ferramentas do mundo da informática,
segundo o mesmo artigo, têm tornado os jovens mais inteligentes, pois proporcionam
um outro tipo de aprendizado: selecionar e processar informações e exercitar a
lógica. Também os blogs da internet
estimulam a escrita, e no mesmo artigo há relato de crianças que aprenderam a
ler para entender os jogos eletrônicos.
JOYCE SANCHOTENE
sábado, 1 de outubro de 2011
Prêmio Jabuti-2011- EDUCAÇÃO
Finalistas do prêmio Jabuti-2011- EDUCAÇÃO
Título
Editora
1º
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORES
EDITORA FIOCRUZ/ SIMONE GONÇALVES DE ASSIS, PATRÍCIA CONSTANTINO E JOVIANA QUINTES/
2º
LDIGITEXTO / FUNARTE, MINISTÉRIO DA CULTURA/ ISABEL MARIA MEIRELLES DE AZEVEDO/LINGUAGEM DA DANÇA: ARTE E ENSINO
3º
INTERDISCIPLINARIDADE EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO/MANOLE, CAPES, USP, UERJ E UFSC /ARLINDO PHILIPPI JR, ANTÔNIO J. SILVA NETO
4º
COM A PALAVRA, O AUTOR/SARANDI/ FRANCISCO AZEVEDO DE ARRUDA SAMPAIO E ALOMA FERNANDES DE CARVALHO
5º
ENSINO SUPERIOR BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS/E.P.U. EDITORA PEDAGÓGICA E UNIVERSITÁRIA LTDA/ MARCO ANTONIO MOREIRA E ANGELA VEIT
6º
VIOLÊNCIA INDISCIPLINA E EDUCAÇÃO/ EDUEL/ LEONI MARIA PADILHA HENNING / MARIA LUIZA MACEDO ABBUD (ORGS)
7º
EDUCAÇÃO E ALFABETIZACAO CIENTÍFICA/ EDITORA PAPIRUS/PEDRO DEMO
8º
DESENHANDO COM TODOS OS LADOS DO CÉREBRO: POSSIBILIDADES PARA TRANSFORMAÇÃO DAS IMAGENS ESCOLARES/IBPEX/ MARIA LETÍCIA RAUEN VIANNA
9º
M-LEARNING E U-LEARNING/ PEARSON EDUCATION DO BRASIL LTDA./AMAROLINDA SACCOL, ELIANE SCHLEMMER E JORGE BARBOSA
10º
PESQUISA-ENSINO: A COMUNICAÇÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR/
PAULINAS/ HELOISA DUPAS PENTEADO,ELSA GARRIDO (ORG)
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